Um cuja leitura nunca enjoa...
Não só pela escrita, despida de “rodriguinhos”, mas também
porque não tenta dar da sociedade americana uma versão cor de rosa - como exigiam dos seus escritores os dirigentes
soviéticos, a quem queriam vinculados à patranha daquilo a que chamavam “realismo
socialista” - Steinbeck sempre me fascina. O livro de que agora retiro alguns
apontamentos retrata acontecimentos da Segunda Grande Guerra e li-o pela primeira
vez em 1976, conforme escrevi na última página, quando terminei a leitura.
“Chamaram à Guerra Civil a última guerra cavalheiresca; pois
aquela que baptizaram como Segunda Guerra Mundial foi certamente a última de
todas as guerras globais. A futura guerra, isto se formos tão estúpidos que a
deixemos rebentar, será a última de qualquer espécie. Ninguém sobreviverá para
se lembrar seja do que for. E, se realmente formos estúpidos a esse ponto, não
mereceremos a sobrevivência.
(...)
Desde que, escritos à pressa e telefonados através do
oceano, estas histórias foram publicadas em muitos periódicos, nunca mais as
tornara a ler; ao reler agora estas reportagens, lembrei-me de outros factos
que igualmente se deram, mas que não mencionei para obedecer a ordens
superiores, devido a uma coisa enorme e quixotesca a que davam o nome de
Esforço de Guerra. O correspondente era, afinal, quem possuía uma noção mais
lata do que fosse o Esforço de Guerra, e se lhe acontecesse esquecer-se dele, lá
estavam a Censura do Comando Militar para meter o correspondente na ordem e sugerir que o afastassem.
A obsessão do sigilo compreendia-se perfeitamente mas, mais
tarde, até coisas que facilmente se poderiam averiguar em qualquer biblioteca
continuaram a ser secretas, de que resultava que os segredos mais ciosamente
guardados fossem conhecidos de toda a gente. As regras, algumas impostas exteriormente,
decorridos vinte anos dão vontade de rir.Esta, por exemplo: no Exército
americano não havia covardes; a segunda convenção estabelecida era que chefes
cruéis, ambiciosos ou ignorantes era coisa que não existia.
(...)
Quando o general Patton esbofeteou um soldado doente num
hospital e quando a nossa Marinha massacrou em Gela cinquenta e nove dos nossos
aviões transportadores de tropas, o general Eisenhower pediu pessoalmente aos
correspondentes de guerra que não mencionassem esses factos, a fim de não
abaterem o moral da nação.Os factos vieram a saber-se, mas ninguém, no campo de
batalha, contribuíu com essa traição para enfraquecer o Esforço de Guerra.
Havia ali pessoas que não suportavam ser interrogadas,
quanto mais criticadas! O repórter que quebrasse as regras não veria os seus
escritos publicados e seria expulso do teatro das operações. Sabíamos que um
certo e famosíssimo general mudava constantemente os agentes da imprensa porque
achava que lhe não punham o nome no cabeçalho dos artigos com a frequência que
desejava.
Terminada a nossa obrigação e telegrafados os artigos, trocávamos
entre nós as direcções referentes ao mercado negro, quer se tratasse de
arranjar bebidas alcoólicas ou mulheres; conhecíamos transportes ilegais, roubávamos,
fingíamo-nos doentes, fugíamos a compromissos e procurávamos obter o máximo
conforto possível, embora ao Exército não roubássemos grande coisa, porque não
precisávamos; mas lembro-me de um general dos Abastecimentos, desanimado depois
de ler um relatório sobre material desaparecido de um armazém, explodir desta
forma: “O soldado americano é o maior ladrão deste mundo! E sabem o que vai
acontecer? Quando tiverem roubado tudo o que temos, desatam a roubar os alemães
e, nessa altura, que Deus se amerceie de Hitler”.
Trancrito por Amândio G. Martins
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