quinta-feira, 21 de maio de 2020


Terá ficado muito aquém...


...Do que dele esperavam muitos dos que o fizeram presidente, porque presidir a um país daqueles é comandar uma máquina diabólica, mas não tenho grandes dúvidas de que o homem que escreveu este livro continua o mesmo. Transcrevo abaixo um  pequeno trexo.

“...E então, a 11 de setembro de 2001, o mundo fracturou-se. Está para além das minhas capacidades captar esse dia e os que se lhe seguiram – os aviões, como espectros, desaparecendo no aço e no vidro; a cascata em câmara lenta de torres caindo sobre si mesmas; os vultos cobertos de cinzas a vaguear pelas ruas; a angústia e o medo. Nem tenho a veleidade de compreender o niilismo violento que impeliu os terroristas naquele dia e continua a impelir os seus irmãos. Os meus poderes de empatia, a minha capacidade de chegar ao coração dos outros, não consegue penetrar os olhares vazios e fixos daqueles que assassinam com uma satisfação abstracta e serena.

O que realmente sei é que a história regressou, naquele dia, com uma vingança; que, na verdade, tal como Faulkner nos lembra, o passado nunca está morto e enterrado – nem sequer é passado. Esta história colectiva, este passado, toca directamente no meu. Não só porque as bombas da Al Qaeda marcaram, com uma precisão sinistra, algumas das paisagens da minha vida – os edifícios e estradas e rostos de Nairobi, Bali, Manhattan; não só porque, em consequência do 11 de setembro, o meu nome é um alvo irresistível de websites trocistas de operacionais republicanos excessivamente zelosos.

 Mas também porque a luta subjacente – entre mundos de abundância e mundos de necessidade; entre o moderno e o antigo; entre aqueles que apoiam a nossa diversidade fervilhante, discordante, cansativa, enquanto continuam a insistir num conjunto de valores que nos unem, e aqueles que procuram, sob qualquer bandeira ou slogan ou texto sagrado, uma certeza e simplificação que justifiquem a crueldade para com os que não são como nós.

Conheço, ví-os, o desespero e a desorientação dos impotentes: como torce as vidas de crianças nas ruas de Jacarta ou Nairobi de uma forma muito semelhante a como o faz às vidas de crianças na Zona Sul  de Chicago, quão estreito é para elas o caminho entre a humilhação e a fúria sem entraves, quão facilmente caem na violência e no desespero. Sei a resposta dos poderosos a esta anarquia – alternando entre uma complacência apática e, quando a anarquia ultrapassa os limites, uma aplicação firme e irreflectida da força, de penas de prisão mais longas e equipamento militar mais sofisticado. Sei que o endurecimento das posições, a adesão ao fundamentalismo e à tribo, nos condena a todos”.


Transcrito do livro anexo por Amândio G. Martins

1 comentário:

  1. Sabe sempre bem ler algo como isto. A última linha é crucial: a tribo e... "o apelo da tribo"...
    E tribos há em demasia,cada uma mais convicta de si que a outra...

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