terça-feira, 2 de junho de 2020


A gente nunca sabe para o que estão destinados...


Se tudo correr bem, serei avô de um rapaz dentro de pouco tempo, mas nem por ser o primeiro neto me sinto especialmente entusiasmado; e quando, no outono passado, os futuros pais me deram a notícia, a minha reacção não terá sido nada como é costume nestes casos: “Eh pá, no que vocês se foram meter”!... Mas claro que vou ficar feliz, e só espero que o moço nasça sem dificuldades para ele e para a mãe, mas ocorre-me uma frase muita ouvida por aqui, perante a chegada de gente nova ao mundo: “A gente nunca sabe para o que estão destinados”, tanta coisa triste vemos acontecer.

Foi notícia um dia destes o brutal assassinato de uma jovem estudante de psicologia, de 23 anos, por um colega do mesmo curso, de 25, ambos a fazer mestrado no ISCTE, em Lisboa; perdidamente apaixonado pela rapariga, que lhe não correspondia, ao saber que ela tinha namorado passou-se dos carretos e, munido de um bastão, não hesitou em ir à casa dela tirar-lhe a vida à paulada, mal a moça abriu a porta; isto surge-me tanto mais chocante quanto ambos estavam no fim de um curso de psicologia, que é suposto servir para entender e suavizar as “avarias” dos outros...

Escreveu Erasmo de Roterdão: “Para que a vida humana não fosse totalmente triste e enfadonha, Júpiter concedeu-lhe muito mais paixões do que razão. Além disso, relegou a razão para um canto estreito da cabeça, deixando todo o resto do corpo entregue ao domínio das paixões. Por fim, opôs à razão isolada a violência de dois tiranos: a cólera, que domina a cidadela do peito, com a fonte de vida, que é o coração, e concupiscência, cujo império se estende até ao baixo ventre. Como conseguirá a razão defender-se destes dois inimigos, para mais reunidos? A vida comum dos homens mostra-o com bastante clareza. A razão apenas consegue gritar, até enrouquecer, as leis da honestidade. É rainha de quem os homens troçam e injuriam até que, cansada, se cala e se confessa vencida”.


Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Gostei muito deste seu texto. "Passeia" pela vida em três parágrafos, com simplicidade e visão incisiva. O seu ( do neto) caso, o do da sociedade e a visão do filósofo. Nem encantado nem desesperado, antes vogando na vida como ela é. Permite-me algumas considerações?
    Vou imaginar que sim e começo por lhe dizer que a sua lúcida "desesperança" sobre o futuro do seu neto, vai-se transformar numa apaixonada ( amorosa ) vivência em que só "vale" o existir dele e o seu com ele. Di-lo quem já vai em seis, dos 18 aos 4 anos e fez, há pouco, as "bodas de ouro", com eles todos à volta... O caso dos "psicólogos", muito triste, só mostra a totipotência do ser humano de que Erasmo de Roterdão fala e que todos nós sabemos existir, não tanto em quase antagonismo, como ele diz, mas em convivência alternada.... embora com procura duma "autonomia moral" que, no meu caso ( que pouco importa para aqui ) é kantiana. Já me "estiquei"... desculpe.
    Deixo para o fim aquilo com que devia ter começado: os meus parabéns pela "avozice" e as prévias boas vindas ao rapaz que ( felizmente?) virá "para o que nunca sabemos a que está destinado" !

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  2. Obrigado pelo seu encorajamento, fruto de um "saber de experiência feito"...

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