Fez sábado oito
dias, fui pela primeira vez à Capital depois do prolongado
confinamento. Fui de comboio, Mas, com certeza, com os cuidados
inerentes à situação.
Chegado à estação,
deparei-me com uma situação um tanto embaraçosa. Aliás, não
inédita nestes tempos de pandemia em que temos mesmo de andar
mascarados. Encontro lá um indivíduo, mascarado, claro, que me
parecia o meu amigo Faustino. Mas, na dúvida, não lhe disse nada
e reparei que ele me olhava continuamente. Estávamos ambos à espera
do comboio. Aproximo-me um pouco mais e, disfarçadamente, olhando-o,
era mesmo o Faustino, que disparou: “então Ramalho! Já não
falas aos amigos?” Rimo-nos com a insólita situação e pusemos a
conversa em dia na viagem, um tanto resumidamente, porque eu fiquei
em Sete Rios e ele seguiu até Roma/Areeiro.
Meti-me no Metro, e
fui até à Baixa. “Meia dúzia” de pessoas a passear e, como se
sabe, turistas/estrangeiros, nem vê-los! Tudo isto era previsível,
mas tive logo a primeira surpresa: na Rua do Carmo e em toda a zona
do Chiado, grandes filas, sobretudo jovens, à porta das lojas das
multinacionais do ramo do pronto-a-vestir. Fiquei ali com a clara
noção de quem controla aquele importante sector do comércio.
Disseram-me que os preços são razoáveis e que os artigos
satisfazem a malta nova. Pudera! Como se não fossem eles que criam a
moda, que têm um eficaz e poderoso marketing, e que muito do
fabrico, não é executado a preços miseráveis em países asiáticos
com grande incorporação de mão-de-obra infantil. Uma tristeza!
Mas houve outra
surpresa, igualmente triste. Por volta das 18 horas, estava para me
vir embora, junto à estação do Rossio, chegam 4 motas com policias
fortemente armados. Dialogam um pouco, e seguem na direção da
Baixa. Vou lá espreitar, vejo mais duas carrinhas também da PSP,
lembrei-me então de ter ouvido falar numa iniciativa de apoio ao
movimento anti-racista em curso nos EUA, lá para o Martim Moniz.
Começa a chegar gente e mais gente, vinda de lá, sobretudo jovens
negros, diversos sem máscara, e muita Polícia. Tratava-se de uma
grande e compacta manifestação.
Portanto, os
objetivos, eram nobres, a forma como decorria, uma lástima.
Não vi o tal cartaz
que, afinal, parece não ter sido o único, absolutamente ofensivo
para com os polícias, mas vi outros de propósitos não muito
claros, referindo o “black power e os privilégios do whit
power”.
Pergunto a um
policia se não tinham ordens para fazerem cumprir as normas de
segurança em vigor em relação à pandemia, como o
distanciamento,respondeu-me com um sorriso amarelo e um encolher de
ombros. Compreendi a resposta. Incompreensível, é que as tais
normas, não tivessem sido cumpridas, e que, pelo menos os promotores
da manifestação, não tivessem sido chamados à responsabilidade.
Mas isso, evidentemente, tem a ver com quem comanda a Polícia e,
mais ainda, com quem a tutela.
Por estas e por
outras, é que a extrema-direita sobe, e a pandemia não nos larga.
Francisco Ramalho
Publicado hoje no jornal "O Setubalense"
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