sexta-feira, 19 de junho de 2020

Triste Sina, a Nossa.

Um texto de Miguel Torga, do seu Diário VIII de 1958:

 "Agora, quem quiser um bom médico, um bom ditador, um bom capitalista, uma boa mulher, um bom cavalheiro de indústria, tem de vir aqui. O país é esta metrópole de carnação alva, que o não testemunha mas devora, sem dar cavaco a ninguém e sem medo de ser chamado à pedra. Como acontece com a área de qualquer embaixada, também Lisboa goza de que não sei que sagrada extra-  territoralidade dentro da pátria. Imunidades de toda a ordem permitem-lhe ser ao mesmo tempo a nação e a contra-nação. A nação, na medida em que só ela conta, só ela come, só ela sabe, só ela se diverte, só ela manda; a contra-nação, por todas essas razões. Empanturrada de poder e prazer, em vez de unificar a diversidade do país, cresta-o dos seus valores e degrada-os. O espelho liso da alma dum povo, que deve ser a sua capital - e o povo português tem uma alma - nesta pobre terra é empenado. A íntima e colectiva fisionomia que temos, vê-se nele deformada e monstruosa. Aqui refletidos, parecemos todos ou parolos de primeira ou civilizados de terceira".

Seis décadas depois, nada mudou. Apesar do 25, da UE e do Quim Barreiros.

José Valdigem

2 comentários:

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