Mais uma
vez (87 anos) o calendário nos traz o 9 de julho, feriado no Estado de São
Paulo em homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932 – o único levante
civil-militar comemorado por vencidos, cujos ideais de liberdade prevaleceram
para o surgimento da Constituição Federal de 1934, que era uma promessa do
governo provisório de Getúlio Vargas implantado em 1930, mas que jamais seria
cumprida se não tivesse eclodido a insurreição paulista.
Foi uma guerra civil com maior número de vítimas do que o da campanha da
Força Expedicionária Brasileira na segunda guerra mundial. Estima-se em 830 os mortos,
a maior parte integrante das hostes paulistas (634), nas quais estava o bravo
soldado Belisário Ferreira Lima, nascido em Olhos D’Água, Município de Catalão,
que ainda criança foi residir na vizinha cidade de Goiandira, Estado de Goiás,
juntamente com seus familiares. Em homenagem a ele, uma rua tem seu nome no
bairro Jardim Paulista, zona sul de São Paulo, a maior urbe latino-americana. Foi
mortalmente ferido na batalha do Túnel da Mantiqueira, quando servia o chamado
batalhão constitucionalista “3 de Ouro” do 5º Regimento de Infantaria da antiga
2ª Região Militar, comandado pelo Cel. Antônio Alexandrino Gaia. Seus restos
mortais encontram-se no Monumento-Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no
bairro Ibirapuera (SP).
Depoimentos de veteranos da revolução atestam unanimemente que foi uma
luta pela democracia, que não era apenas um ideal paulista, tanto é que nela
participaram centenas de pessoas de outros estados da federação. A repressão
nos Estados do Pará e Amazonas sob o comando do Cel. Barata, através da
Capitania dos Portos, matou cerca de 140 constitucionalistas.
Houve participação de numerosos estrangeiros, principalmente de
portugueses residentes em São Paulo, que, juntamente com alemães, representam a
maior quantidade de cidadãos internacionais mortos em combate pela causa
paulista, segundo registros de Jeziel de Paula, em sua notável obra “1932-Imagens
Construindo a História”. Entre os falecidos estava o português Albano José
Pires, com 58 anos de idade, que prestou relevantes serviços à força aérea
paulista.
Levado por injunções
políticas, meu saudoso pai Olímpio de Araújo, que esteve nas trincheiras do
governo provisório, servindo o Destacamento General Rabelo, tinha suas dúvidas
se estaria defendendo uma causa justa, porque considerava esta a maior de todas
as armas.
Não é porque houvesse no seu seio alguns
separatistas e também os inconformados com as diretrizes econômicas impostas
pelo governo ditatorial instalado no poder, influindo até no Instituto do Café,
que a guerra paulista haja de ser considerada uma insurreição contra-revolucionária
dos decaídos, como sempre prevaleceu nos registros da história contada pelos
vencedores.
Aliás, na realidade, o separatismo não passou de mero pretexto oficial
para incentivar a participação das unidades federativas na resistência contra o
estado rebelde, cujos líderes tinham apenas ideais democráticos voltados para
um regime verdadeiramente federativo, em que os estados - membros passassem a
ter uma real autonomia.
A região sul do Estado do Mato Grosso que pretendia se tornar o Estado
de Maracaju, tinha sua liderança barbaramente perseguida e acoimada de
separatismo e acabou se unindo à causa paulista. A repressão após terminado o
conflito foi cruel. O jornalista Antero Costa Carvalho se viu obrigado a fugir
de Campo Grande para não ser preso e até morto, mas, infelizmente, quatro anos
depois, na cidade de Catalão, Estado de Goiás, onde exerceu humanitariamente as
atividades farmacêuticas e jornalísticas, foi barbaramente assassinado por
supostos vingadores, sob acusação de um crime de homicídio que não praticara,
tudo isso sob a complacência e mesmo cumplicidade da chefia política local.
A rigor, antes da Constituição Federal de 1946, nunca houve democracia
no Brasil. Até 1930, na chamada República Velha, prevaleciam as eleições
fraudulentas. Por incrível que pareça, existia um tal de Conselho de
Verificação que, num vergonhoso processo de depuração, excluía eleitos e elegia
derrotados para os cargos eletivos do parlamento. Com o advento do regime
constitucional de 1934, houve apenas um ensaio democrático de curta duração
(pouco mais de três anos). O presidente da República e os governadores foram
eleitos indiretamente pelos parlamentares e quando iria ocorrer a sucessão,
através do voto popular, veio o golpe instituidor do Estado Novo (1937), que só
terminou em 1946 com a nova Constituição que trouxe a democracia, embora
precária, porque passou a ter as eleições compradas, mediante participação de
empresas, atualmente proibida, mas que ainda persiste com o chamado, “caixa dois”:
o grande subterfúgio da corrupção.
A revolução paulista teve destacada participação das mulheres na
campanha de doação de joias e confecção de uniformes para os combatentes e
também com a presença nas manifestações públicas e até mesmo em combates, como
aconteceu na cidade de Vargem Grande (SP), onde a professora Maria Esther
aprisionou um oficial da Força Pública de Minas Gerais. Tudo isso, sem dúvida, influiu
para que a Constituição Federal de 1934 consolidasse a participação feminina
nos pleitos eleitorais. Após 1932, a presença feminina em todos os setores da
atividade econômico-cultural ficou marcante.
São Paulo sofreu derrota militar, mas seus ideais triunfaram. Não
aceitou ser governado por interventores oriundos de setores militares rebeldes
(o tenentismo), que chegou a ser uma agremiação política, o Partido Popular
Paulista (PPP), que pretendia participar do secretariado do governo civil de
Pedro Toledo. Uma manifestação popular de milhares de pessoas na frente de sua
sede resultou em grave repressão, com morte de várias pessoas, inclusive quatro
estudantes (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo),
cujas letras iniciais dos seus nomes formaram a sigla MMDC, que deu origem ao movimento que foi o estopim para eclosão da
revolução de 9 Julho.
Chefiado por Francisco
Morato, o tradicional Partido Democrata
(PD) paulista apoiou a revolução de 30, inclusive com grande atuação
conciliatória para impedir a programada batalha Itararé, na divisa com Estado
do Paraná, que poderia, caso ocorresse, até impedir a marcha triunfante de
Getúlio Vargas rumo ao palácio presidencial no Rio de Janeiro, mas, quando viu
o sonho de uma nova república democrática transformar-se no pesadelo da
ditadura do governo provisório, passou a defender a eclosão da guerra constitucionalista,
aliando-se com o Partido Republicano Paulista (PRP).
O ilustre escritor e promotor de justiça Ibrahim Nobre afirmou que “9 de
Julho foi um treino para a apoteose e que um dia se tudo estivesse destruído e
as gerações futuras vissem onde São Paulo foi, veriam o túmulo de uma
geografia, com o epitáfio de estrelas: Aqui jaz um povo que não quis ser
escravo”.
A maioria dos vencidos, todo o gabinete do governador Pedro de Toledo,
que comandou o governo durante a revolução, Ibrahim Nobre e os principais
chefes militares, entre os quais o Cel. Euclides Figueiredo, foram hospitaleiramente
recebidos, em exílio nas terras lusitanas, pela tradicional família portuguesa
Coimbra da Luz em Lisboa (importadores do café paulista), onde permaneceram até
o decreto de anistia em maio de 1934.
Pode-se dizer que 9 de julho representará sempre um marco histórico da
democracia, tanto é que, durante o regime ditatorial militar implantado em 1964,
não era muito aceito pelos seus líderes, porque viam, com muita preocupação
naquele evento, a lembrança de uma luta armada de ideologia liberal, que foi
capaz de quebrar a unidade do exército brasileiro. Exceção se faça, entretanto, ao último
general que esteve no poder, João Batista Figueiredo, filho do Cel. Euclides,
que, no comando da segunda região militar, teve grande atuação no conflito.
Apesar de sempre comemorado festivamente, só se tornou feriado, no Estado de
São Paulo, em 1997, por lei sancionada pelo governador Mário Covas, de autoria
do deputado Guilherme Gianetti.
Segundo afirmou o
ilustre cientista político Paulo Sergio Pinheiro, numa entrevista ao famoso
jornal “O Estado de São Paulo”, cujo diretor, na época, Júlio Mesquita Filho,
participou intensamente no movimento revolucionário, “O constitucionalismo da
revolução era uma autêntica expressão democrática, ainda que fosse exótico para
época, mas se apresentava extremamente moderno”.
O grande memorial da revolução
(Cruzes Paulistas) contém um elevado número de pessoas ilustres apreciando a
causa revolucionária de São Paulo como o maior acontecimento cívico de sua
história. O ilustre ex-presidente JK, construtor de Brasília, que esteve nos
combates em defesa do governo provisório, como oficial médico da Força Pública
de Minas Gerais, em cujas trincheiras atenuava a luta armada com a canção Lua
Branca, de Chiquinha Gonzaga, proclamou, na década de 1950: “ A Revolução
Constitucionalista aberta em São Paulo a 9 de julho de 1932 é um acontecimento
que já atravessou as portas do tempo comum para penetrar na perenidade da
história. Foi uma daquelas causas pelas quais os homens podem viver com
dignidade e morrer com grandeza” (Jeziel-
obra citada).
Segundo o referido
Jeziel, na mencionada obra, “por ter sido um movimento liberal democrático, com
participação até mesmo da classe operária, os intelectuais da direita e da
esquerda preferem manter suas convicções de acordo com os vencedores do
conflito”, numa visão divorciada da realidade da heroica luta do povo
paulista—a brava gente de Piratininga que não quis ser escrava, no dizer de
Ibrahim Nobre.
Vivaldo Jorge de Araújo,
ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e
procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás,
Brasil.
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