terça-feira, 9 de julho de 2019

A REVOLUÇÃO DE SÃO PAULO EM 9 DE JULHO DE 1932: UMA LUTA PELA INSTITUIÇÃO DA DEMOCRACIA NO BRASIL


     Mais uma vez (87 anos) o calendário nos traz o 9 de julho, feriado no Estado de São Paulo em homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932 – o único levante civil-militar comemorado por vencidos, cujos ideais de liberdade prevaleceram para o surgimento da Constituição Federal de 1934, que era uma promessa do governo provisório de Getúlio Vargas implantado em 1930, mas que jamais seria cumprida se não tivesse eclodido a insurreição paulista.
     Foi uma guerra civil com maior número de vítimas do que o da campanha da Força Expedicionária Brasileira na segunda guerra mundial. Estima-se em 830 os mortos, a maior parte integrante das hostes paulistas (634), nas quais estava o bravo soldado Belisário Ferreira Lima, nascido em Olhos D’Água, Município de Catalão, que ainda criança foi residir na vizinha cidade de Goiandira, Estado de Goiás, juntamente com seus familiares. Em homenagem a ele, uma rua tem seu nome no bairro Jardim Paulista, zona sul de São Paulo, a maior urbe latino-americana. Foi mortalmente ferido na batalha do Túnel da Mantiqueira, quando servia o chamado batalhão constitucionalista “3 de Ouro” do 5º Regimento de Infantaria da antiga 2ª Região Militar, comandado pelo Cel. Antônio Alexandrino Gaia. Seus restos mortais encontram-se no Monumento-Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no bairro Ibirapuera (SP).
     Depoimentos de veteranos da revolução atestam unanimemente que foi uma luta pela democracia, que não era apenas um ideal paulista, tanto é que nela participaram centenas de pessoas de outros estados da federação. A repressão nos Estados do Pará e Amazonas sob o comando do Cel. Barata, através da Capitania dos Portos, matou cerca de 140 constitucionalistas.
     Houve participação de numerosos estrangeiros, principalmente de portugueses residentes em São Paulo, que, juntamente com alemães, representam a maior quantidade de cidadãos internacionais mortos em combate pela causa paulista, segundo registros de Jeziel de Paula, em sua notável obra “1932-Imagens Construindo a História”. Entre os falecidos estava o português Albano José Pires, com 58 anos de idade, que prestou relevantes serviços à força aérea paulista.
Levado por injunções políticas, meu saudoso pai Olímpio de Araújo, que esteve nas trincheiras do governo provisório, servindo o Destacamento General Rabelo, tinha suas dúvidas se estaria defendendo uma causa justa, porque considerava esta a maior de todas as armas.
     Não é porque houvesse no seu seio alguns separatistas e também os inconformados com as diretrizes econômicas impostas pelo governo ditatorial instalado no poder, influindo até no Instituto do Café, que a guerra paulista haja de ser considerada uma insurreição contra-revolucionária dos decaídos, como sempre prevaleceu nos registros da história contada pelos vencedores.
     Aliás, na realidade, o separatismo não passou de mero pretexto oficial para incentivar a participação das unidades federativas na resistência contra o estado rebelde, cujos líderes tinham apenas ideais democráticos voltados para um regime verdadeiramente federativo, em que os estados - membros passassem a ter uma real autonomia.
     A região sul do Estado do Mato Grosso que pretendia se tornar o Estado de Maracaju, tinha sua liderança barbaramente perseguida e acoimada de separatismo e acabou se unindo à causa paulista. A repressão após terminado o conflito foi cruel. O jornalista Antero Costa Carvalho se viu obrigado a fugir de Campo Grande para não ser preso e até morto, mas, infelizmente, quatro anos depois, na cidade de Catalão, Estado de Goiás, onde exerceu humanitariamente as atividades farmacêuticas e jornalísticas, foi barbaramente assassinado por supostos vingadores, sob acusação de um crime de homicídio que não praticara, tudo isso sob a complacência e mesmo cumplicidade da chefia política local.
     A rigor, antes da Constituição Federal de 1946, nunca houve democracia no Brasil. Até 1930, na chamada República Velha, prevaleciam as eleições fraudulentas. Por incrível que pareça, existia um tal de Conselho de Verificação que, num vergonhoso processo de depuração, excluía eleitos e elegia derrotados para os cargos eletivos do parlamento. Com o advento do regime constitucional de 1934, houve apenas um ensaio democrático de curta duração (pouco mais de três anos). O presidente da República e os governadores foram eleitos indiretamente pelos parlamentares e quando iria ocorrer a sucessão, através do voto popular, veio o golpe instituidor do Estado Novo (1937), que só terminou em 1946 com a nova Constituição que trouxe a democracia, embora precária, porque passou a ter as eleições compradas, mediante participação de empresas, atualmente proibida, mas que ainda persiste com o chamado, “caixa dois”: o grande subterfúgio da corrupção.
     A revolução paulista teve destacada participação das mulheres na campanha de doação de joias e confecção de uniformes para os combatentes e também com a presença nas manifestações públicas e até mesmo em combates, como aconteceu na cidade de Vargem Grande (SP), onde a professora Maria Esther aprisionou um oficial da Força Pública de Minas Gerais. Tudo isso, sem dúvida, influiu para que a Constituição Federal de 1934 consolidasse a participação feminina nos pleitos eleitorais. Após 1932, a presença feminina em todos os setores da atividade econômico-cultural ficou marcante.
     São Paulo sofreu derrota militar, mas seus ideais triunfaram. Não aceitou ser governado por interventores oriundos de setores militares rebeldes (o tenentismo), que chegou a ser uma agremiação política, o Partido Popular Paulista (PPP), que pretendia participar do secretariado do governo civil de Pedro Toledo. Uma manifestação popular de milhares de pessoas na frente de sua sede resultou em grave repressão, com morte de várias pessoas, inclusive quatro estudantes (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo), cujas letras iniciais dos seus nomes formaram a sigla MMDC, que deu origem ao movimento que foi o estopim para eclosão da revolução de 9 Julho.
Chefiado por Francisco Morato, o tradicional Partido Democrata  (PD) paulista apoiou a revolução de 30, inclusive com grande atuação conciliatória para impedir a programada batalha Itararé, na divisa com Estado do Paraná, que poderia, caso ocorresse, até impedir a marcha triunfante de Getúlio Vargas rumo ao palácio presidencial no Rio de Janeiro, mas, quando viu o sonho de uma nova república democrática transformar-se no pesadelo da ditadura do governo provisório, passou a defender a eclosão da guerra constitucionalista, aliando-se com o Partido Republicano Paulista (PRP).
     O ilustre escritor e promotor de justiça Ibrahim Nobre afirmou que “9 de Julho foi um treino para a apoteose e que um dia se tudo estivesse destruído e as gerações futuras vissem onde São Paulo foi, veriam o túmulo de uma geografia, com o epitáfio de estrelas: Aqui jaz um povo que não quis ser escravo”.
     A maioria dos vencidos, todo o gabinete do governador Pedro de Toledo, que comandou o governo durante a revolução, Ibrahim Nobre e os principais chefes militares, entre os quais o Cel. Euclides Figueiredo, foram hospitaleiramente recebidos, em exílio nas terras lusitanas, pela tradicional família portuguesa Coimbra da Luz em Lisboa (importadores do café paulista), onde permaneceram até o decreto de anistia em maio de 1934.
     Pode-se dizer que 9 de julho representará sempre um marco histórico da democracia, tanto é que, durante o regime ditatorial militar implantado em 1964, não era muito aceito pelos seus líderes, porque viam, com muita preocupação naquele evento, a lembrança de uma luta armada de ideologia liberal, que foi capaz de quebrar a unidade do exército brasileiro.  Exceção se faça, entretanto, ao último general que esteve no poder, João Batista Figueiredo, filho do Cel. Euclides, que, no comando da segunda região militar, teve grande atuação no conflito. Apesar de sempre comemorado festivamente, só se tornou feriado, no Estado de São Paulo, em 1997, por lei sancionada pelo governador Mário Covas, de autoria do deputado Guilherme Gianetti. 
Segundo afirmou o ilustre cientista político Paulo Sergio Pinheiro, numa entrevista ao famoso jornal “O Estado de São Paulo”, cujo diretor, na época, Júlio Mesquita Filho, participou intensamente no movimento revolucionário, “O constitucionalismo da revolução era uma autêntica expressão democrática, ainda que fosse exótico para época, mas se apresentava extremamente moderno”.
O grande memorial da revolução (Cruzes Paulistas) contém um elevado número de pessoas ilustres apreciando a causa revolucionária de São Paulo como o maior acontecimento cívico de sua história. O ilustre ex-presidente JK, construtor de Brasília, que esteve nos combates em defesa do governo provisório, como oficial médico da Força Pública de Minas Gerais, em cujas trincheiras atenuava a luta armada com a canção Lua Branca, de Chiquinha Gonzaga, proclamou, na década de 1950: “ A Revolução Constitucionalista aberta em São Paulo a 9 de julho de 1932 é um acontecimento que já atravessou as portas do tempo comum para penetrar na perenidade da história. Foi uma daquelas causas pelas quais os homens podem viver com dignidade e   morrer com grandeza” (Jeziel- obra citada).
Segundo o referido Jeziel, na mencionada obra, “por ter sido um movimento liberal democrático, com participação até mesmo da classe operária, os intelectuais da direita e da esquerda preferem manter suas convicções de acordo com os vencedores do conflito”, numa visão divorciada da realidade da heroica luta do povo paulista—a brava gente de Piratininga que não quis ser escrava, no dizer de Ibrahim Nobre.
Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás, Brasil.

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