domingo, 14 de julho de 2019

Bonifácio, as quotas e o PÚBLICO


Apesar de ninguém se ter eximido a entrar na polémica que o famigerado artigo de Fátima Bonifácio (F.B.) desencadeou, com tudo já dito, venho dar o meu testemunho pessoal. Por princípio, a adopção forçada de quotas, seja para o que for, suscitou-me sempre muitas reservas. Para que serviriam se vivêssemos num mundo equilibrado e justo, ético e asséptico? Mas não é assim, e, falando-se apenas dos que, por razões étnicas, são efectivamente discriminados, teremos de convir que submetê-los, na sua grande maioria, a uma competição igualitária, na admissão à Universidade, estará a penalizá-los por se ignorar o background cruelmente negativo a que estiveram sujeitos durante toda a vida até esse momento. Será assim tão injusto promover alguma discriminação positiva que, pelo menos, atenue as condições de desigualdade com que tiveram que viver até aí? Até se poderá, talvez, recuperar alguns “talentos” a quem se nega o “acesso”, e que, com outras condições, lá teriam chegado. 
Quero crer que o estabelecimento de quotas obrigatórias para as mulheres, em certos domínios, proporcionou ao género feminino um saudável incremento, talvez ainda insuficiente, da sua participação na vida pública. Inferir, da existência de quotas, que o acesso às Universidades ou outras instâncias ficará artificialmente facilitado, com promoção da mediocridade, é meramente redutor, merecendo uma discussão autónoma.    
Quanto ao PÚBLICO, que não condeno por ter publicado o artigo de F.B., que achei repugnante, penso que, hoje, após tão intenso debate, talvez não o tivesse publicado. Resta saber se, também hoje, F.B. o teria escrito. 

5 comentários:

  1. Penso que o José imaginaria que eu viria aqui. Para ter uma visão diferente da sua sobre o assunto. Não tanto sobre se o artigo de MFB devia ter sido dado à estampa e/ou se o director do jornal devia ter vindo "retratar-se" num arrenpendimento a reboque, mas sobre algumas das partes do dito pela primeira. Antes disso, constato que quase ninguém discordou do teor de racismo ideológico da senhora, mas houve muitos (como eu) que concordaram com asserções do que lá vinha escrito e, simultaneamente discordam ( digo-o agora) do "exagero" que é colocar as coisas em tribunal. E quanto às quotas étnico-raciais, começo logo por separar as de acesso à Universidade das de acesso á vida política, tomando como exemplo ás listas de deputados. Enquanto as primeiras vão interferir com o saber e o seu desmpenho profissional ( e cidadão), as segundas dependem dos partidos terem ou não a coragem de colocar negros, ciganos ou outros, nas listas por decisão política ao serviço duma visão ideológica democrática. Por isso me fiquei pelas primeiras. Que os apoios se dêem na ensino básico e secundário, monetários ou outros, com isso poderei concordar. Aqui abro um parêntesis para me perguntar se os ciganos quererão estes ( e querem!) até ao moment0 em que já não lhes interessarão por colidirem com a sua "cultura" ( e querem outros similares...) quanto aos seus adolescentes ( conheço bem as "balizas" que os movem numa escola primária, ao entra, estar e sair)). Termino com as mulheres pois parece-me ser uma assunto totalmenet diverso e que, como o José fez, não pode ser metido no que o escrito desencadeou. Porquê? Porque aí não há, obviamente, racismo nenhum mas sim discriminação de género nas hierarquias de poder. Alguma mulher reivindicou quotas para entrar na Universidade? Querem, e muito justamente, entrar em paridade de valor nas escolhas de cargos, sejam eles quais forem e em que são muitas vezes preterida somente porque têm dois cromossomas XX. Depois de formação académica igual , que é o que já se passa. Retiremos portanto as mulheres, em comparações espúrias, que nada servem à discussão racional.

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    1. Caro Fernando,
      Até lhe “levava a mal” que não viesse aqui. É sempre um enorme gosto debater consigo.
      Ponto prévio: o interesse de FB em publicar aquela “coisa” era tudo menos a discussão técnica sobre a questão das quotas. Manuel Loff disse que a sua função era “atacar o valor da igualdade” (Público, 11.07.2019, pág. 9). Concordemos ou não, deixe-me dizer-lhe o que vem a seguir.
      Concordar com alguns passos do discurso, eu compreendo. Tal como me acontecerá se eu ler o Mein Kampf (não sei se quero ou não lê-lo). O problema está em que, inadvertidamente, se poderão estar a branquear outras coisas, sobretudo o fundamental. Não lhe faço a si a injustiça de pensar ou dizer que tal coisa lhe passou pela cabeça, mas não duvido de que alguma “gentinha” não perderá a oportunidade, como, aliás, penso ter acontecido. E o mal é que alguns desses passos (chamemos-lhes asserções, como na sua terminologia, com que concordo) indiciam factos que levam ao racismo. Há que castigar as minorias, não corrigi-las e encaminhá-las. Do que se acusa essas minorias? Não existem tantos e tantos “brancos”, dos “nossos”, da “Cristandade”, com idênticos comportamentos? Então por que razões se aponta apenas para “negros e ciganos”?
      Pessoalmente, eu não promoveria qualquer acção em tribunal contra FB. Mas, se existe comportamento criminoso face à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, como alguns pensam, porque não?
      Tal como o Fernando, FB considera que a comparação de quotas, neste caso, com as das mulheres, é “inteiramente falaciosa”. Não sei, em consciência, se o será, embora reconheça alguns dos argumentos que conduzem a essa conclusão. Como quer que seja, a minha intenção em invocar as quotas das mulheres reduziu-se à demonstração de uma co-relação entre o seu estabelecimento e a melhoria de condições das próprias mulheres. Não retiro daí uma relação causa-efeito mas parece-me evidente essa co-relação. Não me parece, pois, que a “comparação”, nos termos descritos, seja tão espúria como isso. Deixe-me acrescentar, contudo, que, se é verdade que as pessoas que, pela via das quotas nas Universidades, podem vir a interferir com o seu desempenho profissional no futuro, não é menos verdade que, na política e noutros sectores, intervirão, certamente, na vida de todos, quanto mais não seja pela formulação legislativa a que muitos terão acesso.
      Não se procurarem medidas, sejam quais forem, que oponham barreiras à perpetuação das condições de vida e de acesso ao, como agora se diz, elevador social, é que está errado. Bastarão as quotas para se chegar lá? Parece-me que não, que haverá que fazer (muito) mais. Como os apoios, que o Fernando refere, a dar no ensino básico e secundário. Felizmente, não me cabe a mim decidir, que não tenho qualquer poder para isso.
      Sabemos que existem quotas para, entre outros, grupos como os maiores de 23 anos, determinados técnicos, licenciados, estudantes internacionais, missões diplomáticas e outro pessoal no estrangeiro, oficiais das Forças Armadas, bolseiros diversos, praticantes desportivos, naturais de Timor, candidatos dos Açores e Madeira, emigrantes, deficientes. Porque não para negros e ciganos?
      Compreendo a sua defesa da meritocracia. Mas esta, em meu entender, nunca é neutra.

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  2. Talvez , sem certezas, este artigo tenha dado para muitos reflectirem, que não anonimamente e que não nas redes sociais, onde vale tudo.
    E, o que está feito está feito não se emenda. Pode ou não, não se repetir!!!
    Mas o Público ontem fez muito bem com a Liberdade e Qualidade que lhe são "mote" , em abrir espaço do opiniões, várias, sobre o tema.

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    1. É isso: debate intenso, profundo… e aberto. Todos nós, que estamos de boa-fé, ganharemos com isso. E que possamos contribuir para o bem comum.

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    2. Sem dúvida. E aí o Público esteve e está sempre muito bem! E não só aí!!!!!

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