Originalmente, este texto era um comentário ao post “Keep calm and go ahead…” A dimensão do comentário não foi aceite no blogue, por razões de ordem técnica, por não poder ultrapassar os 4.096 caracteres.
A extrema bondade dos meus amigos desvanece-me. Não há dúvida de que me arranjaram um belo “entalanço”. Bonito serviço… Depois de tantos “tratados” que já foram escritos a explicar os desastres, os senhores querem que venha aqui pôr tudo em pratos limpos, não é? Também eu gostava…
Confesso que não fui confirmar os números avançados pelo Banco de Portugal, o que seria trabalho perfeitamente espúrio (se eles não têm os dados correctos, quem os terá?). Para mim, no entanto, por razões que adiante aduzirei, não é isso o mais importante.
Confesso ainda que há já bastante tempo me desliguei da chamada “literatura económica”. Não porque pense que já sei tudo, mas porque me “enjoam” as curvas e contra-curvas que alguns teóricos me fazem dar para que aceite e acredite nas suas palavras. O que eles querem, sei eu…
Sinto que quando se despejam sobre as pessoas números mais ou menos aterradores, quase sempre dá em alarmismos relativamente inúteis. É claro que o interesse que cada um de nós deposita sobre o estado da economia do país só enaltece o próprio. No entanto, não deixa de propiciar estudo, reflexões e conclusões que, na maior parte das vezes, estão viciados à partida e que têm uma grande utilidade: desviar as atenções do que é, de facto, importante.
Sem entrar em minudências técnicas, sobre as quais eu também não sou especialista, parece-me de alguma utilidade, com muito simplismo (talvez demasiado), esboçar as grandes linhas de definição dos conceitos aqui abordados. A dívida pública é a dívida contraída pelas administrações públicas, englobando aqui o Estado, as Regiões Autónomas, a Administração Local e a Segurança Social. A dívida privada engloba a das famílias (particulares) e a das empresas. Há duas formas de referir a dívida soberana: em sentido restrito, coincide com a dívida pública, em sentido lato, abarca também as garantias que as instituições do Estado prestam. De forma grosseira, isto suscita-me uma observação: não podemos somar ao endividamento da economia a dívida soberana porque, em grande parte, esta já está englobada naquele endividamento.
Os meus amigos já estarão a ver que a parte anterior é a que menos me interessa. De facto, sem varrer para debaixo do tapete o volume da(s) dívida(s), interessa-me muito mais tentar saber para que é que ela foi criada. Porque, como tudo na vida, nem toda a dívida é má. Se ela foi contraída para tapar buracos de quem especulou para ganhar mundos e fundos, ela foi má; se o foi para investir no futuro das populações, tenho propensão a pensar que foi virtuosa. Mais: haverá quem ganhe (abusivamente) com o incremento da dívida? Claro que há.
Outra questão importante é verificar que, neste momento da História mundial, todos os países do mundo têm dívida acumulada. Mas neste mesmo mundo só há devedores? Isto da dívida não é uma relação sinalagmática, com dois termos? Onde está o outro, o dos credores, não existe? Existe sim senhor, é o sistema financeiro global, os ditos “capitalistas” (porque detentores do capital). Dá para perceber uma situação assim insólita? Na sua mais recente formulação, o capitalismo, na deriva e perversão neoliberal, trouxe-nos até aqui. As novas regras de funcionamento desta sociedade, mais do que impostas, absorvidas com extrema candura, conseguiram, no estrito cumprimento da “legalidade”, redistribuir os rendimentos e a riqueza. Muito simplesmente, com o beneplácito geral, foram buscá-los aos produtores reais e depositaram-nos nas mãos dos especuladores. Dito de outro modo, os trabalhadores (os produtivos, não os especulativos) viram-se espoliados de bens que foram parar à posse dos capitalistas. Daí que o fosso das desigualdades não pare de se aprofundar, daí que a repartição do PIB mundial se desequilibre, pelo menos desde os anos setenta do século passado, em claríssimo benefício do Capital e à custa do Trabalho. Nunca se produziu tanto como hoje, nunca o Mundo foi tão rico, e nunca houve tanta desigualdade.
Não gostaria de terminar este comentário - de dimensões quase tão inusitadas como as da “dívida” - sem referir que já tivemos um governante que, do alto da sua “sabedoria”, disse (na altura, para bem de todos nós, já era ex) que a “dívida não é para pagar”. Quase foi crucificado, mas não deixava de ter alguma razão, embora, sem a habilidade necessária para se fazer compreender. Na verdade, as dívidas dos Estados não são comparáveis às das pessoas e, por muito que custe a alguns, o Estado não é uma empresa.
Tenho a impressão de que não ajudei muito no que me pediram, mas, quem dá o que tem a mais não é obrigado...