segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Crescimento ou desenvolvimento?

É de de uso comum, espoletado pelo jargão económico, falar-se do crescimento dos países e do que isso comporta de "bom". Mas também muitos de nós sabem - ou deviam saber - que é imossível o crescimento infinito num planeta finito. Menos gente ainda saberá- ou quererá saber - que crescimento é bem diferente de desenvolvimento, e usa o primeiro como quase sinónimo do segundo, pois só pensa em "aumentar", em vez de "melhorar". Eu tenho a felicidade de ser médico - e, mais a mais, pediatra - e sei bem que crescer se avalia de forma paramétrica, enquanto o desenvolvimento se avalia por funcionalidade. Vem isto a propósito - e serve como aviso - de Ursula von der Leyen "querer centrar o seu combate às alterações climáticas como estratégia de crescimento da UE" ( PÚBLICO de 28/11), enquanto a OCDE pede que "os países "ricos" não ajudem os países em desenvolvimento com tecnologia que use combustíveis fósseis" ( RTP1 de 28/11).
Entendam-se meus senhores, pois a linguagem é um meio de transmitir pensamento, e convem que a gente do "pensamento crítico", como devia ser o caso, não se (nos) confunda. Senão, até podemos pensar que há intenção dolosa e não somente negligência no dizer...

Fernando Cardoso Rodrigues

PÚBLICO de 2/12/2019

3 comentários:

  1. Gostei muito deste seu texto e, também, de o ver de regresso a um tema que sei que lhe é muito caro, o da destrinça entre crescimento e desenvolvimento. Estando de acordo consigo na generalidade do pensamento, aguçou-se-me o gosto de regressar também a um dos temas que me são mais caros, o da desigualdade, que, aliás, considero umbilicalmente ligado ao que o Fernando levantou. (Isto anda tudo ligado…).
    Explico-me: ainda que o desenvolvimento venha a desempenhar cabalmente as “funções” que muitos, dolosa ou negligentemente, atribuem ao crescimento, a que bolsos irão parar as mais-valias daí resultantes?
    O “sistema” vai, certamente, arranjar maneira de que os retornos dos investimentos, já mais orientados para o desenvolvimento do que para o crescimento, se canalizem para os sítios do costume, ainda para mais porque esses investimentos serão, porventura, ainda mais vultuosos do que os “habituais”, e, necessariamente, só promovidos pelos detentores de Das Kapital. A contribuição do proletariado, “promovido” a lumpen ou não, cifrar-se-á nos termos do costume e, depois, na divisão dos rendimentos, logo veremos como ficam as desigualdades.
    Não obstante o que acabei de escrever, tomara eu ver juras (consequentes) de promoção do desenvolvimento, em vez do sacrossanto apelo ao crescimento. Naturalmente, junto-me aos seus desejos de que “quem de direito” não baralhe conceitos e pare de amalgamar alhos com bugalhos.

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    1. Realmente "isto anda tudo ligado"... Mas, embora isto não seja necessariamente uma discordância entre nós, o crescimento a que me refiro é o "ad infinitum" que significa somente "acrescentar" e não "melhorar". E o melhorar não traz ( ou trará?...) "necessidades espúrias" que, por sua vez, trazem agressões de vários tipos e desigualdades tantas como as de hoje. E "Das Kapital" não encontrará tantas mais valias para se locupletar. Isto porque aí o que se valoriza é a "função" e não o "número". Terá isto algum sentido? Será economia ou devaneio?...Ou política...

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    2. Oxalá tivesse sentido aquilo que o Fernando, prisioneiro do seu inquebrantável “optimismo” (não é crítica, é um cumprimento!), retira das expectativas que o “desenvolvimento” lhe desperta, versus “crescimento” para o abismo.
      Diz-me o meu pessimismo (realismo?) que, neste sistema (bem sei que não temos outro…), os “melhoramentos” nunca reverterão em favor da comunidade como um todo, e, muito menos, em prol dos mais desfavorecidos. Como diria o João César das Neves, “não há almoços grátis” e, neste mundo, tudo se paga. O que quer dizer que os “melhoramentos” facilmente se convertem em “mais-valias” e… está tudo dito: quem fica com elas?
      Acredite que tenho muita pena por não partilhar o seu optimismo, tanto mais que, evidentemente, me é muito mais simpática a ideia de desenvolvimento do que a de crescimento.

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